A estória do saxofonista de ska: um relato de Ramiro Vidal Alvarinho
A estória do saxofonista de ska
Voltava o Dani para casa, depois de umha esgotadora tarde na escola de música do Concelho. Renhera-lhe o professor, porque errara várias vezes ensaiando um passodoble espanhol. A ele nom lhe chistavam muito os passodobles. Sonavam-lhe a taurinos, e ele detestava as touradas. Porque pensava que as touradas eram festas incivilizadas, onde se torturava aos animais. E aliás, ele nom gostava da música das bervenas. De facto, matriculara-se na escola de música por tradiçom familiar, porque o pai tocara na sua mocidade o saxo na banda municipal. Já o avô tocara em tempos o saxo. Afeiçoara-se a ele nos Estados Unidos. Quando emigrara a Nova Iorque levara a gaita com ele, porque era um grande gaiteiro. Tanto, que adoitava animar as festas familiares com o seu inseparável instrumento, e mesmo quando algum vizinho da paróquia ou de paróquias próximas tinha malha ou matança, ou qualquer acontecimento na casa que requerisse a colaboraçom de muita gente, lá ia ele, e ao final da jornada todos bailavam ao som da sua gaita até cair de cu. Ele fazia-o muitas vezes sem nem sequer cobrar, por umhas cuncas de vinho ou por vinte pesos, mas nom o fazia por dinheiro, ainda que agradecesse o pagamento que lhe figessem se lhe queriam pagar, e se nom se pagava, pois era como se ele fosse um convidado mais à festa, e todos em paz. Ele nom vivia da música, vivia do campo, como viviam do campo os seus vizinhos, e nom se sentia superior a pesar de que todo o mundo reconhecia que era o melhor gaiteiro dos arredores, daquele pequeno cacho de mundo. Mas um dia o avô marchou para América, para os Estados Unidos. Concretamente a Nova Iorque, onde havia muitos galegos, e portugueses, e judeus, e negros, e irlandeses e pessoas de muitas outras procedências. E essas gentes que vinham de muito longe, da Europa e da África, levavam consigo aos Estados Unidos a sua música. E os galegos que como o avô emigraram da Galiza para Nova Iorque para trabalhar alí no porto, ou na construcçom, ou noutros trabalhos duros para fazer dinheiro e um dia voltar à Galiza, juntavam-se no tempo livre nas tabernas ou nas praças da cidade, e contavam-se contos das suas aldeias, muitas vezes fazendo como que rivalizavam os da costa com os do interior, ou os do Norte com os do Sul, mas no fundo era algo que faziam para passar o tempo e escorrentar a morrinha, que era muita, estando tam longe do seu país. E, por suposto, tocava-se a gaita e botavam-se umhas peças para armar algo de festa. Entre os galegos de Nova Iorque também era muito bem apreçada a habilidade do avô com a gaita.
E aquí temos que fazer umha aclaraçom. Estamos-lhe chamando avô ao avô do Dani, quando em realidade ele nom era avô ainda daquela, até porque por ser nom era nem pai. Naturalmente, naquela altura ninguém lhe chamava assim; ele era Matias. Pois dezia que o Matias era muito bem considerado polo bem que tocava a gaita entre os galegos de Nova Iorque. Mas um dia, na mesma praça onde habitualmente ele se reunia com os seus paisanos galegos, a poucos metros de onde estava ele sentado, viu a um negro a tocar o saxo. Tocava umha música muito rítmica que se chamava jazz. Aquele negro chamava-se Peter e fijo-se com o tempo amigo do Matias, porque o Matias sentia muita curiosidade por aquela música tam estranha e bonita e ficava muito tempo a escuitar como tocava aquele homem aquelas peças com aquele ritmo tam vivo. O Peter sentiu curiosidade por saber quem era esse branco a quem tanto lhe parecia interessar a música dos negros, assim que um dia se achegou a ele e começarom a conversar. O Peter também era umha pessoa à que lhe gostava conhecer cousas novas. E havia algo que lhe chamava a atençom de Matias; quê classe de instrumento era o que levava sempre com ele? E matias expremeu-lhe que se tratava de umha gaita e tocou algumha moinheira e algumhas outras músicas que também se tocam com gaita, como mazurkas, rumbas ou jotas. E o Peter também ficou fascinado com o som da gaita. Como se figeram amigos, Peter levou ao Matias a alguns locais onde se tocava o jazz e aí, o que mais tarde seria o avô do Dani, namorou definitivamente daquela música. E um dia aconteceu algo estranho, que ninguém podia suspeitar que se fosse converter na origem da tradiçom familiar que levaria ao Dani a estudar saxo na escola municipal de música. Estando umha noite de esmorga os dous muito bêbados num bar dijo-lhe Matias a Peter “Ó, Peter, troco-che o teu saxo pola minha gaita”. O Peter ficou surpreendido e dijo que de nengum jeito e que se toleara. Mas o Matias era muito teimudo, e afinal conseguiu que o Peter acedera ao trato. O Matias voltaria alguns anos depois à Galiza, trazendo para a sua terra aquele recordo da sua amizade com o Peter, que nom se sabe quê demo acabaria fazendo com a gaita, porque Matias nom voltou saber nada dele desde o seu regresso à terra. Já nesta beira do Atlántico, Matias uniu-se a um tipo de formaçom musical que começava a substituir aos grupos de gaiteiros; umha orquestina. As orquestinas forom os conjuntos musicais que popularizarom o jazz e outras músicas de origem foráneo na Galiza, combinando-as com a música popular galega. Tocavam ritmos com sucesso naqueles anos – falamos dos anos quarenta – como o passodoble e outros bailes agarrados ou as moinheiras, que daquela aínda a gente sabia bailar moinheiras e fazia-o de maneira natural e espontánea nas festas, com outros sons chegados da América que eram aínda novidosos aquí. E nessas formaçons, conviviam os saxos com as gaitas e os tamboriles, aliás de um curioso instrumento dotado de rodas, para podê-lo carretar nos passaruas, que se compunha de umha caixa, um prato e um bombo. As orquestinas estavam a ser umha verdadeira revoluçom na música popular galega. E a primeira orquestina da zona formou-na o Matias com outros vizinhos, chegando a tocar muito além da sua aldeia, quase por toda Galiza e ultrapassando inclusso a fronteira com Portugal para ir tocar a Vila Nova da Zerveira, ou a Melgaço, ou mesmo a Braga. Eram muito reconhecidos a nível popular.
Tudo isto lembrava-o o Dani, enquanto ia caminho da casa, bastante triste pola bronca do professor da escola de música. Nom tinha vontade nengumha de chegar a casa, pôr-se a fazer os deveres, estudar para o exame de Inglês e praticar com o saxo...sobretudo, e a pesar de que o Dani herdara do pai e do avô a sua grande paixom pola música, nom lhe apetecia nada praticar com o saxo, porque nom gostava dos passodobles, nem em geral das peças com as que se praticava na escola de música. Dani do que gostava era do ska e sonhava com ser um dia um grande saxofonista de umha banda ska. Ademirava a Skárnio e às vezes o pai botava-lhe umha bronca quando o surpreendia tocando de orelha partes de cançons dessa banda viguesa, em vez de tocar o que tinha escrito nas partituras. O Dani também ademirava muito a trajectória do seu avô, Matias, e sempre pensava em que ele tinha que fazer algo parecido ao que o Matias figera. Ele planejava para quando fosse maior marchar a Jamaica, a apreender dos mestres do reagge e o ska. Num momento lembrou que o avô morava de caminho à sua casa, e decideu fazer-lhe umha pequena visita antes de marchar definitivamente para casa. Era a única escapada do Dani à sua rotina habitual; todos os dias ia de casa para a escola, da escola para a escola de música, e da escola de música outra vez para a casa, onde ceava, fazia os deveres, praticava com o saxo e depois ia dormir, porque nom lhe dava tempo a mais. A casa do avô era um sítio maravilhoso, porque o avô sempre estava contente das visitas do Dani e aliás contava-lhe estórias de quando estava na América e expremia-lhe cousas sobre música que Dani sempre escuitava muito atentamente.
O avô esse dia contou-lhe umha estória muito curiosa. Dijo-lhe que o ska era um corpo humano. Que a bateria era o coraçom, que o baixo eram os pês, que a guitarra era a respiraçom e que o vento era o caninho. Que o ska era umha pessoa a correr. Também lhe expremiu como o ska era o irmao pequeno do reagge e sobrinho do soul, como este era irmao do blues e primo maior do rock, e como todos eles desciam do jazz. Expremiu-lhe que a música é umha família e que afinal todas as linguagens musicais estám emparentadas. Aquele dia Dani compreendeu que quiçá nom era tam mau apreender a tocar passodobles. Praticou muito para apreender a tocá-los e também seguiu a pilhar de orelha os temas de Skárnio, aos que seguiu ademirando muito. Mas conheceu outras bandas que faziam ska muito antes que os Skárnio: The Toasters, Badmanners, The Specials, Arthur Key and The Originals...apreendeu que na música tudo tem as suas origens e que compreendendo de onde vem a música se pode desfrutar mais dela. E chegou ter a sua própria banda de ska. Hoje toca polo mundo adiante e agradece-lhe ao seu avô que um dia decidira cambiar a gaita polo saxo.
2 Comments:
los españoles conducen de puta madre
Tono Tejada, Quijote Gallego
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