Labirinto da dor: Relato de Ramiro Vidal Alvarinho
LABIRINTO DA DOR
Ouvem-se passos, cada vez mais fortes, mais cercanos. Eu estou arreconchegado aquí, num canto do habitáculo. Cheira mal, nom puidem dormir em todo este tempo. Em todas estas horas, só estivem temendo que chegasse este momento. Ouvem-se agora vozes. Aquí há obscuridom e humidade, cheira mal. Nom poido nem adivinhar a dimensom do compartimento onde me meterom. Apenas acertei a procurar umha esquina e refugiar-me alí. Pregar-lhe ao tempo que fosse o meu aliado. Que se detivesse naquele momento, que nom chegasse nunca a amanhecer. Agora uns olhos espreitam desde o outro lado da porta. Oio vozes, nom poido saber se som duas ou três. Só sei que me resultam familiares. Sei que voavam polo ar do quarto onde estivem antes. Entre os pontapés e as pancadas, envolvendo-me em angustia. Ameaçando-me e incitando a bater-me mais forte. Insultando-me quando a minha cabeça estava em baixo da água. Apremiando-me a confessar, já nom sei o quê, com a bulsa na minha cabeça. Eu pregava que me deixassem respirar e eles deziam que o que tinha que fazer era falar. Confessar o que eles já sabiam, e mentir se queria no que eles ignoravam. Prometiam-me que, se falava, nom haveria já mais golpes, nem a minha cabeça voltaria estar baixo a água daquele caldeiro, nem a bulsa envolveria de novo a minha cabeça. Eu tomava fólegos e tratava de exprimir a minha inocência. Entom, umha voz berrava que a paciência se estava esgotando e que se nom falava agora “eles” marchariam e viriam “outros” que utilizariam métodos mais violentos comigo. Eu reiterava a minha inocência chorando e berrando. Entom alguém me agarrava do cabelo e me fazia erguer. Eu era levado a outro quarto e alí começava de novo o suplício. A minha angustia e a minha dor medravam. Berrava que, por favor, outra vez nom. Que confessaria o que “eles” quigeram a cámbio de que me deixassem em paz. Eles perguntavam-me se eu conhecia a nom sei quem. Eu dezia que sim. Perguntavam-me se eu estivera com ele a tal dia e a tal hora. Eu jurava que nom. Inmediatamente começava umha chúvia de golpes na minha cabeça. Eu deixava-me cair no chao, mas sempre me incorporavam e me obrigavam a permanecer de joelhos. De nada serviam os meus berros a pedir que parassem de bater-me. Tumbarom-me no que parecia umha padiola, similar às que se utilizam nas consultas dos médicos. E começarom a pôr-me a bulsa de plástico. Por espaços de tempo, que a mim me pareciam mais longos a cada vez, asfixiavam-me com a bulsa. Ás vezes, davam-me pancadas no entanto tinha a cabeça aí metida. Davam-me com o que eu diria que era umha porra de goma nas pernas e nas costas. Eu estava desorientado e cheio de medo. Já nom escuitava as perguntas. Em realidade, agora mesmo nem lembro porquê estou cá. Só lembro a humilhaçom de ver-me indefenso em poder “deles”, dos meus captores. “Eles” punem-me brutalmente e quando eu me derrubo, prometem-me que pararám de torturar-me se falo. Mas nunca cumprem a sua promessa. Pretendem que diga algumha cousa que “eles” dam por certa, mas eu nom acerto a dizê-la. Nom tenho mais aliado que o tempo. Que se pare ou que passe de vez. Que chegue o momento em que rebente dos golpes que me dám e morra. Ou que tenha a sorte de que me tenham que levar ao hospital. Mas que chegue já esse momento. Se tivesse valor, atiraria-me por umha janela num descuido, ou lançaria-me contra umha vidreira, quem sabe. Daria-me golpes na cabeça contra a parede, ou contra a porta. Só tenho paz quando perdo o conhecimento. Várias vezes o perdim quando me interrogavam. Reanimavam-me e continuavam as torturas. Numha ocasiom, depois de deixar-me num dos compartimentos onde me aplicavam as torturas, alguém me ofereceu tabaco e deu-me um conselho “amistoso”. Deu-me a possibilidade de contar-lhe tudo a ele, e assim evitar que me seguissem golpeando e torturando. Eu digem-lhe que nom sabia o quê era o que “eles” queriam saber. Que simplesmente estava aquí porque provavelmente teria havido um erro. Que me colheram no portal da minha morada, que me meteram num carro e que alí já me começaram a golpear e que, inclusso, me pugeram umha pistola numha meixela. Aquele gajo, ao que nom lhe vim bem a cara, porque havia uns focos que me alumeavam directamente aos olhos, dijo-me finalmente que lamentava nom poder ajudar-me, mas que com a minha atitude nom fazia mais que alargar mais o que poderia durar bem pouco, porque em realidade estava tudo muito claro. Pouco depois seguirom metendo-me a cabeça no caldeiro e dando-me pontapés. Alguém me increpa desde o outro lado. Pergunta-me como é que estou aí arreconchegado, tremendo e chorando, tam valente que era na rua. Outro pergunta com xorne se estes som os que queriam luitar contra o sistema. Nom entendo nada. Escuitam-se risos ao outro lado e comentários fazendo troça de mim, mas eu já nom oio. Quigera a paz e a liberdade do sono. Que a minha mente voasse fora de aquí. Poder respirar a minha casa, e as ruas e a liberdade, fora deste inferno. Quigera que isto nom tivesse acontecido nunca, poder acordar deste pesadelo. E os meus captores... oxalá o seu ódio infinito lhes comera as entranhas. Oxalá os seus olhares traiçoeiros se diluiram numha névoa infecta. Oxalá a sua lembrança se afundira no mar e os seus uivos infra-humanos se confundiram no vento para nom ouví-los mais. E que o seu mundo de reixas e arames farpados nom fosse mais do que umha noite de trevoada nos sonhos da humanidade.
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