sábado, junho 19, 2004

Labirinto da dor: Relato de Ramiro Vidal Alvarinho

LABIRINTO DA DOR


Ouvem-se passos, cada vez mais fortes, mais cercanos. Eu estou arreconchegado aquí, num canto do habitáculo. Cheira mal, nom puidem dormir em todo este tempo. Em todas estas horas, só estivem temendo que chegasse este momento. Ouvem-se agora vozes. Aquí há obscuridom e humidade, cheira mal. Nom poido nem adivinhar a dimensom do compartimento onde me meterom. Apenas acertei a procurar umha esquina e refugiar-me alí. Pregar-lhe ao tempo que fosse o meu aliado. Que se detivesse naquele momento, que nom chegasse nunca a amanhecer. Agora uns olhos espreitam desde o outro lado da porta. Oio vozes, nom poido saber se som duas ou três. Só sei que me resultam familiares. Sei que voavam polo ar do quarto onde estivem antes. Entre os pontapés e as pancadas, envolvendo-me em angustia. Ameaçando-me e incitando a bater-me mais forte. Insultando-me quando a minha cabeça estava em baixo da água. Apremiando-me a confessar, já nom sei o quê, com a bulsa na minha cabeça. Eu pregava que me deixassem respirar e eles deziam que o que tinha que fazer era falar. Confessar o que eles já sabiam, e mentir se queria no que eles ignoravam. Prometiam-me que, se falava, nom haveria já mais golpes, nem a minha cabeça voltaria estar baixo a água daquele caldeiro, nem a bulsa envolveria de novo a minha cabeça. Eu tomava fólegos e tratava de exprimir a minha inocência. Entom, umha voz berrava que a paciência se estava esgotando e que se nom falava agora “eles” marchariam e viriam “outros” que utilizariam métodos mais violentos comigo. Eu reiterava a minha inocência chorando e berrando. Entom alguém me agarrava do cabelo e me fazia erguer. Eu era levado a outro quarto e alí começava de novo o suplício. A minha angustia e a minha dor medravam. Berrava que, por favor, outra vez nom. Que confessaria o que “eles” quigeram a cámbio de que me deixassem em paz. Eles perguntavam-me se eu conhecia a nom sei quem. Eu dezia que sim. Perguntavam-me se eu estivera com ele a tal dia e a tal hora. Eu jurava que nom. Inmediatamente começava umha chúvia de golpes na minha cabeça. Eu deixava-me cair no chao, mas sempre me incorporavam e me obrigavam a permanecer de joelhos. De nada serviam os meus berros a pedir que parassem de bater-me. Tumbarom-me no que parecia umha padiola, similar às que se utilizam nas consultas dos médicos. E começarom a pôr-me a bulsa de plástico. Por espaços de tempo, que a mim me pareciam mais longos a cada vez, asfixiavam-me com a bulsa. Ás vezes, davam-me pancadas no entanto tinha a cabeça aí metida. Davam-me com o que eu diria que era umha porra de goma nas pernas e nas costas. Eu estava desorientado e cheio de medo. Já nom escuitava as perguntas. Em realidade, agora mesmo nem lembro porquê estou cá. Só lembro a humilhaçom de ver-me indefenso em poder “deles”, dos meus captores. “Eles” punem-me brutalmente e quando eu me derrubo, prometem-me que pararám de torturar-me se falo. Mas nunca cumprem a sua promessa. Pretendem que diga algumha cousa que “eles” dam por certa, mas eu nom acerto a dizê-la. Nom tenho mais aliado que o tempo. Que se pare ou que passe de vez. Que chegue o momento em que rebente dos golpes que me dám e morra. Ou que tenha a sorte de que me tenham que levar ao hospital. Mas que chegue já esse momento. Se tivesse valor, atiraria-me por umha janela num descuido, ou lançaria-me contra umha vidreira, quem sabe. Daria-me golpes na cabeça contra a parede, ou contra a porta. Só tenho paz quando perdo o conhecimento. Várias vezes o perdim quando me interrogavam. Reanimavam-me e continuavam as torturas. Numha ocasiom, depois de deixar-me num dos compartimentos onde me aplicavam as torturas, alguém me ofereceu tabaco e deu-me um conselho “amistoso”. Deu-me a possibilidade de contar-lhe tudo a ele, e assim evitar que me seguissem golpeando e torturando. Eu digem-lhe que nom sabia o quê era o que “eles” queriam saber. Que simplesmente estava aquí porque provavelmente teria havido um erro. Que me colheram no portal da minha morada, que me meteram num carro e que alí já me começaram a golpear e que, inclusso, me pugeram umha pistola numha meixela. Aquele gajo, ao que nom lhe vim bem a cara, porque havia uns focos que me alumeavam directamente aos olhos, dijo-me finalmente que lamentava nom poder ajudar-me, mas que com a minha atitude nom fazia mais que alargar mais o que poderia durar bem pouco, porque em realidade estava tudo muito claro. Pouco depois seguirom metendo-me a cabeça no caldeiro e dando-me pontapés. Alguém me increpa desde o outro lado. Pergunta-me como é que estou aí arreconchegado, tremendo e chorando, tam valente que era na rua. Outro pergunta com xorne se estes som os que queriam luitar contra o sistema. Nom entendo nada. Escuitam-se risos ao outro lado e comentários fazendo troça de mim, mas eu já nom oio. Quigera a paz e a liberdade do sono. Que a minha mente voasse fora de aquí. Poder respirar a minha casa, e as ruas e a liberdade, fora deste inferno. Quigera que isto nom tivesse acontecido nunca, poder acordar deste pesadelo. E os meus captores... oxalá o seu ódio infinito lhes comera as entranhas. Oxalá os seus olhares traiçoeiros se diluiram numha névoa infecta. Oxalá a sua lembrança se afundira no mar e os seus uivos infra-humanos se confundiram no vento para nom ouví-los mais. E que o seu mundo de reixas e arames farpados nom fosse mais do que umha noite de trevoada nos sonhos da humanidade.

Texto de NÓS-UP denunciando a privatizaçom do monte de Sam Pedro, na Corunha

Nom à privatizaçom do monte de Sam Pedro

O monte de Sam Pedro, com o parque de Bens, vem sendo um dos pulmons da cidade da Corunha, aliás de ser umha paragem que oferece umha excelente alternativa de lecer para a populaçom, nomeadamente para as vizinhanças dos bairros cercanos, como Agra ou Labanhou. Bairros que, como outros nom tam extensos, como a Sagrada Família, O Ventorrilho, a Agrela, O Peruleiro, Sam Pedro de Visma ou Os Marinheiros, se atopam na assa mais populosa da cidade e também a mais abandonada em quanto a investimentos em infra-estruturas sociais.

Justamente um dos problemas mais graves desta zona da cidade, com umha altíssima densidade de populaçom, é a falta de espaços para recreio dos seus e suas habitantes. As escassas zonas verdes, revelam-se insuficientes, à parte de que nos feriados e fins de semana as pessoas precisam de espaços de lecer mais alonjados dos ruídos e a contaminaçom atmosférica existentes no casco urbano.

Tradicionalmente, o monte Sam Pedro, umha maravilha esquecida para umha boa parte dos e das corunhesas e corunheses, que ficaria depois ao descoberto com a construcçom do passeio marítimo, veu sendo um lugar de excursom muito recorrido, nomeadamente para famílias operárias que nom tinham capacidade económica para sair da Corunha em tempo de lecer. A nível visual, o Monte de Sam Pedro oferece umha estampa inigualável, e provavelmente, se nom for por outros reclamos turísticos que os sucessivos governos autárquicos forom promocionando, seria sem dúvida a postal imprescindível para qualquer visitante à nossa cidade. O espectáculo de as ondas do mar a bater contra o coloso que se erige na mesma beira da baía é difícilmente comparável a outros espectáculos da natureza e a vista que o monte oferece desde a sua cimeira, dominando a baía e divisando as outras rias do Golfo Ártabro é impressionante. Mas ao Monte de Sam Pedro, parece que lhe chegou a hora.

O alcaide Francisco Vázquez, anunciava o seu projecto, há já arredor de um ano, de levar o tranvia até lá e construir um elevador que sobisse o monte até a cimeira, e no mesmo coruto, instalar umha cafetaria. NÓS-UP já denunciara o disparatado das pretensons de Vázquez, polo atentado ambiental e paisagístico que se ia perpetrar. Como se de um concurso de ideias absurdas se tratasse, Fernando Rodríguez Corcoba, o portavoz na Cámara Municipal do PP, propujo há poucos dias a criaçom de...umha estaçom de esquí!!!! Nesse mesmo espaço natural. Independentemente de se trunfa um projecto ou trunfa outro, o que está claro é que PP e PSOE estám de acordo no fundamental: que há que turistificar este monte.

Para isto nom se duvidará em acometer intervençons agressivas que porám em perigo a bio-diversidade do monte e a qualidade paisagística da paragem, aliás de furtar espaço de desfrute público para usos privados. Sem que entre @s que redactamos este vozeiro se atope nengum/a engenheir@ nem negum/a biólog@, nom nos resulta difícil imaginar as consequências das intervençons que seriam necessárias tanto para instalar o elevador, como para a estaçom de esquí- esta segunda umha aventura que se nos antolha ruinosa; na Corunha nom adoita nevar, é possível que ninguém reparara nisso?- . Em primeiro lugar, talas massivas que afectarám a todas as espécies animais que dependem directamente das árvores. Em segundo lugar, agressom a outras espécies vegetais que convivem com as árvores. Em terceiro lugar, a erosom que conseqüentemente se provocará, danando seriamente o solo e o mar. Em quarto lugar, os resíduos que gera umha obra de grande envergadura, num sítio onde pode fazer um imenso dano.

Por ecologia ambiental e social, NÓS-Unidade Popular opom-se a qualquer intervençom no monte de Sam Pedro que suponha a degradaçom do entorno e a privatizaçom do seu espaço. A gente residente na Corunha também tem direito a ter os seus próprios espaços de lecer, e a estratégia turistificadora do governo autárquico contribui a guettizar os bairros e desumanizá-los, a base de ganhar espaço físico para o turismo.

sexta-feira, junho 18, 2004

A estória do saxofonista de ska: um relato de Ramiro Vidal Alvarinho

A estória do saxofonista de ska

Voltava o Dani para casa, depois de umha esgotadora tarde na escola de música do Concelho. Renhera-lhe o professor, porque errara várias vezes ensaiando um passodoble espanhol. A ele nom lhe chistavam muito os passodobles. Sonavam-lhe a taurinos, e ele detestava as touradas. Porque pensava que as touradas eram festas incivilizadas, onde se torturava aos animais. E aliás, ele nom gostava da música das bervenas. De facto, matriculara-se na escola de música por tradiçom familiar, porque o pai tocara na sua mocidade o saxo na banda municipal. Já o avô tocara em tempos o saxo. Afeiçoara-se a ele nos Estados Unidos. Quando emigrara a Nova Iorque levara a gaita com ele, porque era um grande gaiteiro. Tanto, que adoitava animar as festas familiares com o seu inseparável instrumento, e mesmo quando algum vizinho da paróquia ou de paróquias próximas tinha malha ou matança, ou qualquer acontecimento na casa que requerisse a colaboraçom de muita gente, lá ia ele, e ao final da jornada todos bailavam ao som da sua gaita até cair de cu. Ele fazia-o muitas vezes sem nem sequer cobrar, por umhas cuncas de vinho ou por vinte pesos, mas nom o fazia por dinheiro, ainda que agradecesse o pagamento que lhe figessem se lhe queriam pagar, e se nom se pagava, pois era como se ele fosse um convidado mais à festa, e todos em paz. Ele nom vivia da música, vivia do campo, como viviam do campo os seus vizinhos, e nom se sentia superior a pesar de que todo o mundo reconhecia que era o melhor gaiteiro dos arredores, daquele pequeno cacho de mundo. Mas um dia o avô marchou para América, para os Estados Unidos. Concretamente a Nova Iorque, onde havia muitos galegos, e portugueses, e judeus, e negros, e irlandeses e pessoas de muitas outras procedências. E essas gentes que vinham de muito longe, da Europa e da África, levavam consigo aos Estados Unidos a sua música. E os galegos que como o avô emigraram da Galiza para Nova Iorque para trabalhar alí no porto, ou na construcçom, ou noutros trabalhos duros para fazer dinheiro e um dia voltar à Galiza, juntavam-se no tempo livre nas tabernas ou nas praças da cidade, e contavam-se contos das suas aldeias, muitas vezes fazendo como que rivalizavam os da costa com os do interior, ou os do Norte com os do Sul, mas no fundo era algo que faziam para passar o tempo e escorrentar a morrinha, que era muita, estando tam longe do seu país. E, por suposto, tocava-se a gaita e botavam-se umhas peças para armar algo de festa. Entre os galegos de Nova Iorque também era muito bem apreçada a habilidade do avô com a gaita.

E aquí temos que fazer umha aclaraçom. Estamos-lhe chamando avô ao avô do Dani, quando em realidade ele nom era avô ainda daquela, até porque por ser nom era nem pai. Naturalmente, naquela altura ninguém lhe chamava assim; ele era Matias. Pois dezia que o Matias era muito bem considerado polo bem que tocava a gaita entre os galegos de Nova Iorque. Mas um dia, na mesma praça onde habitualmente ele se reunia com os seus paisanos galegos, a poucos metros de onde estava ele sentado, viu a um negro a tocar o saxo. Tocava umha música muito rítmica que se chamava jazz. Aquele negro chamava-se Peter e fijo-se com o tempo amigo do Matias, porque o Matias sentia muita curiosidade por aquela música tam estranha e bonita e ficava muito tempo a escuitar como tocava aquele homem aquelas peças com aquele ritmo tam vivo. O Peter sentiu curiosidade por saber quem era esse branco a quem tanto lhe parecia interessar a música dos negros, assim que um dia se achegou a ele e começarom a conversar. O Peter também era umha pessoa à que lhe gostava conhecer cousas novas. E havia algo que lhe chamava a atençom de Matias; quê classe de instrumento era o que levava sempre com ele? E matias expremeu-lhe que se tratava de umha gaita e tocou algumha moinheira e algumhas outras músicas que também se tocam com gaita, como mazurkas, rumbas ou jotas. E o Peter também ficou fascinado com o som da gaita. Como se figeram amigos, Peter levou ao Matias a alguns locais onde se tocava o jazz e aí, o que mais tarde seria o avô do Dani, namorou definitivamente daquela música. E um dia aconteceu algo estranho, que ninguém podia suspeitar que se fosse converter na origem da tradiçom familiar que levaria ao Dani a estudar saxo na escola municipal de música. Estando umha noite de esmorga os dous muito bêbados num bar dijo-lhe Matias a Peter “Ó, Peter, troco-che o teu saxo pola minha gaita”. O Peter ficou surpreendido e dijo que de nengum jeito e que se toleara. Mas o Matias era muito teimudo, e afinal conseguiu que o Peter acedera ao trato. O Matias voltaria alguns anos depois à Galiza, trazendo para a sua terra aquele recordo da sua amizade com o Peter, que nom se sabe quê demo acabaria fazendo com a gaita, porque Matias nom voltou saber nada dele desde o seu regresso à terra. Já nesta beira do Atlántico, Matias uniu-se a um tipo de formaçom musical que começava a substituir aos grupos de gaiteiros; umha orquestina. As orquestinas forom os conjuntos musicais que popularizarom o jazz e outras músicas de origem foráneo na Galiza, combinando-as com a música popular galega. Tocavam ritmos com sucesso naqueles anos – falamos dos anos quarenta – como o passodoble e outros bailes agarrados ou as moinheiras, que daquela aínda a gente sabia bailar moinheiras e fazia-o de maneira natural e espontánea nas festas, com outros sons chegados da América que eram aínda novidosos aquí. E nessas formaçons, conviviam os saxos com as gaitas e os tamboriles, aliás de um curioso instrumento dotado de rodas, para podê-lo carretar nos passaruas, que se compunha de umha caixa, um prato e um bombo. As orquestinas estavam a ser umha verdadeira revoluçom na música popular galega. E a primeira orquestina da zona formou-na o Matias com outros vizinhos, chegando a tocar muito além da sua aldeia, quase por toda Galiza e ultrapassando inclusso a fronteira com Portugal para ir tocar a Vila Nova da Zerveira, ou a Melgaço, ou mesmo a Braga. Eram muito reconhecidos a nível popular.

Tudo isto lembrava-o o Dani, enquanto ia caminho da casa, bastante triste pola bronca do professor da escola de música. Nom tinha vontade nengumha de chegar a casa, pôr-se a fazer os deveres, estudar para o exame de Inglês e praticar com o saxo...sobretudo, e a pesar de que o Dani herdara do pai e do avô a sua grande paixom pola música, nom lhe apetecia nada praticar com o saxo, porque nom gostava dos passodobles, nem em geral das peças com as que se praticava na escola de música. Dani do que gostava era do ska e sonhava com ser um dia um grande saxofonista de umha banda ska. Ademirava a Skárnio e às vezes o pai botava-lhe umha bronca quando o surpreendia tocando de orelha partes de cançons dessa banda viguesa, em vez de tocar o que tinha escrito nas partituras. O Dani também ademirava muito a trajectória do seu avô, Matias, e sempre pensava em que ele tinha que fazer algo parecido ao que o Matias figera. Ele planejava para quando fosse maior marchar a Jamaica, a apreender dos mestres do reagge e o ska. Num momento lembrou que o avô morava de caminho à sua casa, e decideu fazer-lhe umha pequena visita antes de marchar definitivamente para casa. Era a única escapada do Dani à sua rotina habitual; todos os dias ia de casa para a escola, da escola para a escola de música, e da escola de música outra vez para a casa, onde ceava, fazia os deveres, praticava com o saxo e depois ia dormir, porque nom lhe dava tempo a mais. A casa do avô era um sítio maravilhoso, porque o avô sempre estava contente das visitas do Dani e aliás contava-lhe estórias de quando estava na América e expremia-lhe cousas sobre música que Dani sempre escuitava muito atentamente.

O avô esse dia contou-lhe umha estória muito curiosa. Dijo-lhe que o ska era um corpo humano. Que a bateria era o coraçom, que o baixo eram os pês, que a guitarra era a respiraçom e que o vento era o caninho. Que o ska era umha pessoa a correr. Também lhe expremiu como o ska era o irmao pequeno do reagge e sobrinho do soul, como este era irmao do blues e primo maior do rock, e como todos eles desciam do jazz. Expremiu-lhe que a música é umha família e que afinal todas as linguagens musicais estám emparentadas. Aquele dia Dani compreendeu que quiçá nom era tam mau apreender a tocar passodobles. Praticou muito para apreender a tocá-los e também seguiu a pilhar de orelha os temas de Skárnio, aos que seguiu ademirando muito. Mas conheceu outras bandas que faziam ska muito antes que os Skárnio: The Toasters, Badmanners, The Specials, Arthur Key and The Originals...apreendeu que na música tudo tem as suas origens e que compreendendo de onde vem a música se pode desfrutar mais dela. E chegou ter a sua própria banda de ska. Hoje toca polo mundo adiante e agradece-lhe ao seu avô que um dia decidira cambiar a gaita polo saxo.

O transitar dos dias: Texto de Ramiro Vidal Alvarinho

O transitar dos dias

O transitar dos dias, comboio constante desde a solaina do mundo, olhar desde a atalaia desta nostálgia profunda; aquele devalar na praia do meu serám, de desengano, interminável relatar-me desde umha contagem subconsciente de fume e cafeina; parir lágrimas de corpo ferido na minha agonia; correr de pés descalços as areias que nunca correremos; violino, manta de agulhas de esperanças mortas...cá estou, cruel ave tornada em arqueiro, eu cervo ferido sem fontana...dita o pentagrama deste último tránsito ou leva-me ao vergel do goço eterno. Mas este caminhar pola senda da derrota, meu amor traiçoeiro, nom.

Quer este penitente ser engolido pola galerna que o abala fera e que brua, em cançom de berço brutal, a sua condenaçom. Mas escuita o derradeiro lamento do condenado e fere a tua lembrança, antes de que o sono eterno de quem vaga pola desolaçom bata na porta.

O estertor salgado diluirá-se e serás umha cicatriz no tempo. Reza o vento a solene oraçom que predica a finitude das borboletas do meu peito. As moscas de manteiga som fantasmas que embebedam o sangue com humores de sonho e cegam a razom com as cores de umha estranha febre.

quinta-feira, junho 17, 2004

Tocado por Deus: Relato de Ramiro Vidal Alvarinho

TOCADO POR DEUSSempre se sinteu um gajo especial, aínda que raros eram os que partilhavam essa percepçom dele. Como muito, todo o mundo admitia que era um personagem peculiar. Era no único em que se punham de acordo os seus muitos detractores e os seus escasíssimos admiradores. Polo demais, eram muito diversas as opinions que sobre a sua pessoa circulavam. Uns opinavam que era um fulano extravagante, ainda que quiçá essa era a opiniom mais piadosa que os seus inimigos teriam emitido sobre ele. A mais extendida, e provavelmente mais realista, era a de que era um completo imbécil. Claro que isso tem pouca importância quando um está seguro de estar chamado a fazer grandes coisas. Desde menino intuiu que o seu destino era fazer algumha coisa importante. Sempre pensou que era umha chatice ter que conviver com tantas pessoas ignorantes que nom se decatavam da estrela que ele levava. Ainda que o seu consolo nom lhe era difícil de achar. Quando se lamentava, para si, porque quase nunca atopava qualquer infeliz que quisser escuitar as suas cuitas, do sofrimento que lhe infringia o facto de ter que aguentar, como o resto dos mortais, as missérias quotidianas como as aglomeraçons no autocarro, as bichas no hipermercado ou as broncas do chefe no trabalho, ao final sempre chegava à conclussom de que sem dúvida era o Altíssimo quem lhe fazia passar por aquelas provas. O Sumo Fazedor, cujos caminhos som inescrutáveis, seria quem o obrigava ao sacrifício quotidiano, para um dia fazer-lhe umha grande revelaçom. A que empurraria ao nosso heroi a fazer isso tam excepcional que a Humanidade inteira lhe teria que agradecer. Nom devia, pois, afligir-se nem queixar-se; tinha que ser paciente. Um homem curtido nos sofrimentos da vida mundana seria o que Deus desejava para esta missom, assim que devia sentir-se honrado de ser escolhido por Ele e nom pôr em causa os planos que o Senhor tinha respeito ao seu superior destino. Tinha vergonha às vezes dos pensamentos frívolos que lhe vinham à cabeça. Dezia-se a si próprio, quê impaciência tenho por saber que coisa formidável terá Deus preparada para mim. Tinha mesmo medo de que esses pensamentos foram escuitados polo Pastor e que, ofendido, Este decidisse prescindir do seu serviço. Às vezes tinha a tentaçom do martírio. A dor e a morte, para alcançar o Prémio sublime da glória, da santidade. Mortificava-o a sua existência medíocre e, ao mesmo tempo, sabia que nom podia ensaiar vias a Deus pola sua própria conta, que o justo era que fosse Deus quem chamasse a cadaquem quando correspondesse. Mas ensonhava para si outras sendas muito distintas da que fora a sua: a política, as armas, as letras ou o sacerdócio. Desde logo, qualquer delas mais recta no caminho à santidade que ser empregado de banca. Quê se podia fazer desde o escritório de umha sucursal bancária digno do mais grande dos prémios? Estava muito longe dos banqueiros da Obra, desde o seu posto de interventor. O seu pároco e confesor admirava a tenacidade da sua procura constante da perfeiçom; a sua zelosa observância dos preceitos, a sua devoçom afervoada rondando o delírio, a sua disciplina. Animava-o sempre a perseverar no estudo da Bíblia e na oraçom. Os seus companheiros de trabalho odiavam-no patologicamente. Quiçá porque lhes soliviantava nom entendê-lo. Os seus vizinhos dividiam-se entre os que se viam inspirados por um sentimento de nojo até físico e os que sentiam lástima. Apenas a sua nai pensava que tinha um filho que era um santo varom. Com cinqüenta e quatro anos sobreveu-lhe a morte, e mentres esperava numha esquina da consciência a que aparecesse o Altíssimo, compreendeu no último segundo que Deus nom assistiria à cita. Sinteu pânico mentres caia nesse furado frio e obscuro onde se afoga a memória.


Texto de NÓS-Unidade Popular sobre a ameaça de feche a dous centros sociais

NÓS-UP pola auto-organizaçom popular, pola liberdade de expressom e polo direito à reuniom e associaçom. Sobre a clausura de Mil Luas e a ameaça de feche para o local de Oveja Negra.

O dia 7 de Junho, apareceu precintada a porta do local da Associaçom Cultural Mil Luas. O motivo, segundo o técnico de aperturas do Concelho da Corunha, as moléstias que as actividades alí desenvolvidas causavam à vizinhança da zona. Isto depois da associaçom ter-se dobregado às exigências das autoridades autárquicas, que já clausuraram temporáriamente o local requerindo umha série de reformas para evitar ruídos e outras moléstias, numha actuaçom provocada pola pressom de um vizinho em particular cuja intoleráncia o empurrou a mover fios e influências para que o arbitrário braço da política municipal no que respeita a locais públicos recaisse sobre umha entidade nom lucrativa e que persegue finalidades culturais, numha zona cheia de pubs e after-hours que causarám bem mais moléstias que este local aos vizinhos e vizinhas da zona de Beira Mar.

Agora, parece que as medidas implementadas na direcçom de evitar moléstias à vizinhança nom forom suficientes, já que volta ser clausurado o local, sendo emprazad@s aliás @s membros da associaçom a manter umha segunda juntança com o técnico de aperturas – depois de umha entrevista anterior, a efectos de conhecer os motivos desta clausura – para poder levantar o precinto e recolher todo o material pertencente a Mil Luas que fica dentro. Mil Luas num princípio refugou a ideia de plantar resistência, já que as dificuldades para levar a cabo determinadas actividades na ubicaçom actual levaram à entidade a plantejar-se o cámbio de local com o que o abandono do que se ocupava até o momento era inminente, mas sim convocou a todos os colectivos da cidade para desenhar actos de protesto, já que se considera que esta situaçom vem dada pola re-estruturaçom que o governo presidido por Francisco Vázquez está a impulsionar na instituçom autárquica. De facto, também ao colectivo libertário Oveja Negra lhe chegou um aviso de feche exixindo-lhes que se legalicem como associaçom cultural para poder seguir exercendo as actividades que se desenvolvem no seu local; neste caso, actividades bem menos confituosas, como palestras, jantares, debates, projecçons de vídeos, etc.

NÓS-Unidade Popular concorda em que as reformas promovidas à par da Lei de Grandes Cidades, como as novas ordenanças municipais, contra as que já estamos a fazer campanha, potênciam um modelo de cidade elitista, sem cabimento para a diversidade e a diferença, e que como conseqüência disso, o Concelho destinará umha boa parte dos seus recursos a repremer a colectivos e organizaçons políticas cuja actividade seja contraditória com o sistema, aliás de que se intentará limpar Corunha de elementos indesejáveis como pobres, indivíduos estéticamente nom correctos ou inmigrantes para preservar essa imagem de pulcridom cadavérica que Vázquez quer para a cidade que governa.

Por isso estamos dispost@s a fazer frente comum na defesa do pluralismo, da diversidade e da liberdade, perante o autoritarismo pacovazquiano. De NÓS-Unidade Popular todo o nosso apoio aos dous colectivos acossados e reiterar a nossa disposiçom a plantar cara ao modelo totalitário de cidade que este governo municipal neo-fascista quer impôr.

O Tangaranho Vermelho

Estás no Blog d'O Tangaranho Vermelho; espaço de criaçom e debate...Naturalmente é um sítio muito pessoal, onde colarei o que A MIM me pareça interessante, onde exprimirei OPINIONS PESSOAIS sobre temas culturais, políticos ou de qualquer outra índole, e estarei também aberto às vossas opinions. Participade, e faremos entre tod@s um pequeno espaço de rebeldia.